“Quem esquece de onde veio, não sabe para
onde vai”, Bráulio Bessa.
(I)
Em
Boqueirão, na aurora da minha infância,
As
doces mangas-papa colhidas nos Pêssegos
Presenteadas
a mim por Pesquim
E
as manguitas roubadas por nós no mangueiral da roça do velho Elias
Às
margens do riacho, próximo aos gigantescos jatobás.
Os
croatás (crotes) que embebedavam as raposas
Os
araçás das roças da Rua Baiana, terras nossas ainda hoje
As
tangerinas doces como mel da Serra Dourada,
propriedade
de seu João Antero e dona Francisca
E
que seus filhos vendiam em carrinhos de mão pelas ruas de Boqueirão
Adalberto,
serelepe, vendia tudo pela Piçarra
Fernando,
tímido, disfarçava pela Pinicada:
“Vendendo
tangerina, Fernando”?
“Que
nada, tô comprando”.
Para
sua sorte, Adalberto vendia os dois carrinhos
(Não
à toa, mais tarde passaríamos a chamá-lo de Zé Durim).
(II)
Na
Vereda Comprida, a imensidão de ananás
plantados
na roça do Toco Preto
Por
meu avós paternos Teodoro e Xandó
Ao
lado dos nativos cocos catulé e tucum
Buritizais
em profusão
(Há
quem diga que eles mudavam de posição no alagado do brejo).
(III)
A
solitária carnaúba, em frente à casa do Gavião, ainda lá
A
degustação de uma manga de sumo no final da tarde, ali pertinho,
(Entre
a casa de meu tio Raimundo Tavares de Oliveira
E
a do meu parente Aldioneres Tavares de Lira, o Dion)
Uma
pedra jogada a meus pés interrompeu aquele manjá
Como
era à tardinha, imaginei que fosse obra de defunto
(Que
é a hora de reunião das almas, conforme Zé Vermelho)
E
propus a meu primo Humberto que fugíssemos imediatamente
Mais
uma pedra, agora quase no meu osso gostoso.
—
Só pode ser defunto, primo. Vamos correr!
—
Que nada, primo. Deixa de ser frouxo.
Encorajado
por aquela provocação, reagi num sopro de coragem:
—
Se tu for macho, joga outra pedra aqui, seu cabra safado!
E
a pedra decisiva ziniu de imediato
Aí
eu abri o gás, sem esperar mais pedras e nem por meu primo
Mas
ao olhar para trás, avistei-o quase no meu calcanhar
Cabelo
voando ao vento de tanta velocidade.
E
era apenas Dion que nos pregou aquela peça
E
ainda hoje se diverte com a história.
(IV)
As
mirradas laranjas do nosso São José
(Que
meu irmão Ribinha Chumbo Quente tentou vender
No
hotel Rio Parnaíba, em Floriano,
Apresentando-se
como o maior produtor de laranja do sul do Piauí)
Outrora
foram mesmo laranjas vistosas
Quando
pertenciam à quinta de Samuel Aguiar,
Depois
adquirida por meu pai.
E
na casa do mesmo Ribinha
Um
pé de mamão foi sacrificado
Segundo
ele, porque cada fruto pesava sete quilos.
(V)
Em
Gilbués, as mangas-rosa pedidas a dona Dalva
Lindas,
expostas numa janela
E
negadas por ela a mim e a meu primo Humberto, assim:
“Dá
dói, meu filho...”.
O
vasto mangueiral das margens do brejo ainda lá
O
brejo nem tanto.
As
carambolas do quintal de tia Miluxa
Muitas
vendidas, poucas doadas.
As
uvas verdes, azedinhas e pequenas do quintal dos nossos vizinhos Dalton
Barreira e Laureni Lustosa.
Os
tamarindos — encheste a boca d’água? — da porta de João Bispo,
Na
Florida (e o tibungo proibido nas suas manilhas de água efervescente).
Uma
maçã na casa de dona Socorro Guerra surpreendeu o nego Zé
“Como
é linda. Onde tem”?
E
Dondon lhe enganou, dizendo que havia um pé ali pertinho
Nas
roças do Planalto.
O
pé de ingá na janela do quarto de minha irmã Ita
Doce
como os ingás do riacho do Sossego, em Boqueirão
Mas
que meu pai mandou cortar juntamente com as limas do quintal
Porque
precisava aumentar a já enorme casa
Mas
o pé de condessa ele perdoou
(E
eram tantas que substituíram o almoço em um dia que alguns jogadores do time de
futebol de Monte Alegre ficaram sob minha responsabilidade).
Os
cajus e cajuís fartos, sem dono, na chapada de Gilbués,
Cacimba
de Leite adentro
E
os altíssimos cocos da praia (chamados Cocos da Bahia)
Em
quase todos terreiros.
O
tal taturubá que Porrim enche de elogio
(E
que, à moda de Zeca Pagodinho,
“Nunca
vi, nem comi, eu só ouço falar”).
Acerolas
não havia em lugar nenhum, hoje abundam.
A
confusão na aula de Ciências da professora Zenaide Barreira Seraine
No
Ginásio Divina Pastora (GDP):
—
Batata não é fruta, é um tubérculo. Mandioca não é fruta, é uma raiz— ensinava.
E
eu, confuso com aquela explicação, venci a timidez e perguntei:
—
Professora, e banana é fruta?
Uma
sonora e generalizada gaitada da turma e novo apelido: Pedro Banana.
O
almoço à base de manga na casa de seu Jaime Figueiredo,
(Que
motivou Adão de Daniel a apelidar seu primo de Jânio Fiapo)
Cansado
de tanta manga, Adão mudou para o Loiola Hotel
De
propriedade de Edson Loiola (“Senhorzinho”) e Faraíldes
Lá
também a fruta dominava o quintal
(Mas
na condição de hóspede com pensão completa
Adão
desfrutava de fígado no quebra-jejum, cozidão no almoço e na janta).
Ainda
lá, as ciriguelas “de vez”, verdes e maduras no vasto quintal
Abundantes,
disponíveis na companhia do meu amigo João Mendes.
O
solitário pé de bacupari perto do riacho do Sucruiú
Do
lado, a nativa melancia-da-praia, o bruto cagão,
O
puçá, a muta, o murici e o grão-de-galo.
O
frondoso e saudoso umbuzeiro do quintal de dona Alaíde Oliveira.
As
ciriguelas amarelas e vermelhas do quintal de seu Dirceu Lustosa
(Que
seu filho Dirceuzim Panelão transformava em moeda
Para
pagar as partidas de sinuca do nosso bar).
As
saudosas ciriguelas da área interna do Bar Te Contei
De
meu padrinho Wilton Pacheco
Que
conquistaram Pedro Duailibe para os primeiros goles
Sua
mãe, dona Cicinha,
Irrompeu
misteriosamente àquela hora da noite no bar
E
o flagrou de caneco na mão:
—
O que é isso, Pedro? Você está bebendo?
E
ele, gaguejando, respondeu:
—
Né, né, né nada não, mamãe! É, é, é só romontil com ciriguel.
O
mudubim cru, trazido das Cacimbas pelo velho Domingos Gororoba.
As
laranjas vendidas por Julio Constantino, ali na Rua de Baixo,
(Hoje
Anísio de Abreu) na porta de sua casa pintada de verde)
A
novidade da maquininha de descascar
Nos
atraía mais que a própria laranja.
O
mistério do pé de manga no quintal de Maria de Adonias, na Caciana
Subia-se
nele, mas pra descer
Somente
com as coordenadas passadas por ela.
O
cajá-manga do quintal de Ribamar Figueiredo
Que
seu filho e meu amigo João Balão
Presenteava
a Adiva e Amanda.
O
heróico canapu que eu, recém-chegado da primeira viagem a Brasília,
Quase
cortava na enxada e fingi desconhecer:
—
Que fruta é essa? — perguntei a meu primo Humberto Tupizim, companheiro de
riosca.
—
Primo, num é possível! Você passou um mês em Brasília e já esqueceu o nome
dessa fruta? — estranhou.
—
Esqueci mesmo, primo.
—
Moço, pois lembra aí de cana...
—
Ah, já sei... É napucana! Outro apelido: Pedro Canapu.
A
manga verde que Dondon roeu num intervalo de aula do GDP
(Roeu
e jogou no meio do campo de futebol, os dentes já desbotados)
Porque
Adão de Daniel, nosso colega de sala
Disse
que leu, escrita na casca da fruta,
Uma
declaração de amor de Dondon inspirada em uma de nossas colegas
Não
por acaso a mais bonita da turma, senão de todo o colégio.
Expulso
da sala pelo coletor estadual e professor Jeconias
Ademazim
de Bianor achou foi bom
E
danou a comer manga no fundo do GDP
Pela
janela, na volta, exibia as mais vistosas para os colegas.
Adalberto
Badoque pediu-lhe uma manga-espada e Ademazim se vingou:
—
Come aula, seu besta!
Ainda
no GDP, o dindin de buriti e os beijus vendidos na hora do recreio
Por
Bebé de Romana, vizinha do colégio
(Quando
ainda não havia a Lanchonete Buriti, do seu irmão Dimazim).
Por
cima do muro, com uma mão Bebé recebia o dinheiro
Com
a outra entregava o lanche.
O
carrinho de mão carregado de banana
Que
meu pai nos mandava vender rua acima
Na
porta de seu Cicim Carvalho
Meu
mano Elizeu tentou vender dessa forma:
—
Quer comprar banana não, seu Cicim?
—
Você já disse que não, então é não — sacaneou seu Cicim.
O
que houve com aqueles maracujás do tamanho de uma melancia?
Salada
melhor não havia.
Mas
seu parente próximo, o maracujá do mato, resiste
E
dele se faz uma festa de sabor inigualável com o doce e o suco.
(VI)
Em
Brasília, os primeiros abacates que comi na vida
Na
casa de nossos vizinhos dona Sinai e seu Osvaldo
(que
nós chamávamos de “Capitão”)
Comi
tantos, com e sem açúcar, raspados na colher
Com
leite, quando eu podia beber leite à vontade
E
mesmo assim não escapei de uma caminhadeira.