sábado, 8 de agosto de 2020

FRUTOS DA VIDA

Pedro Paulo Tavares de Oliveira

 “Quem esquece de onde veio, não sabe para onde vai”, Bráulio Bessa.

 (I)

 

Em Boqueirão, na aurora da minha infância,

As doces mangas-papa colhidas nos Pêssegos

Presenteadas a mim por Pesquim

E as manguitas roubadas por nós no mangueiral da roça do velho Elias

Às margens do riacho, próximo aos gigantescos jatobás.

Os croatás (crotes) que embebedavam as raposas

Os araçás das roças da Rua Baiana, terras nossas ainda hoje

As tangerinas doces como mel da Serra Dourada,

propriedade de seu João Antero e dona Francisca

E que seus filhos vendiam em carrinhos de mão pelas ruas de Boqueirão

Adalberto, serelepe, vendia tudo pela Piçarra

Fernando, tímido, disfarçava pela Pinicada:

“Vendendo tangerina, Fernando”?

“Que nada, tô comprando”.

Para sua sorte, Adalberto vendia os dois carrinhos

(Não à toa, mais tarde passaríamos a chamá-lo de Zé Durim).

 

(II)

 

Na Vereda Comprida, a imensidão de ananás

plantados na roça do Toco Preto

Por meu avós paternos Teodoro e Xandó

Ao lado dos nativos cocos catulé e tucum

Buritizais em profusão

(Há quem diga que eles mudavam de posição no alagado do brejo).

 

(III)

 

A solitária carnaúba, em frente à casa do Gavião, ainda lá

A degustação de uma manga de sumo no final da tarde, ali pertinho,

(Entre a casa de meu tio Raimundo Tavares de Oliveira

E a do meu parente Aldioneres Tavares de Lira, o Dion)

Uma pedra jogada a meus pés interrompeu aquele manjá

Como era à tardinha, imaginei que fosse obra de defunto

(Que é a hora de reunião das almas, conforme Zé Vermelho)

E propus a meu primo Humberto que fugíssemos imediatamente

Mais uma pedra, agora quase no meu osso gostoso.

— Só pode ser defunto, primo. Vamos correr!

— Que nada, primo. Deixa de ser frouxo.

Encorajado por aquela provocação, reagi num sopro de coragem:

— Se tu for macho, joga outra pedra aqui, seu cabra safado!

E a pedra decisiva ziniu de imediato

Aí eu abri o gás, sem esperar mais pedras e nem por meu primo

Mas ao olhar para trás, avistei-o quase no meu calcanhar

Cabelo voando ao vento de tanta velocidade.

E era apenas Dion que nos pregou aquela peça

E ainda hoje se diverte com a história.

 

(IV)

 

As mirradas laranjas do nosso São José

(Que meu irmão Ribinha Chumbo Quente tentou vender

No hotel Rio Parnaíba, em Floriano,

Apresentando-se como o maior produtor de laranja do sul do Piauí)

Outrora foram mesmo laranjas vistosas

Quando pertenciam à quinta de Samuel Aguiar,

Depois adquirida por meu pai.

E na casa do mesmo Ribinha

Um pé de mamão foi sacrificado

Segundo ele, porque cada fruto pesava sete quilos.

 

(V)

 

Em Gilbués, as mangas-rosa pedidas a dona Dalva

Lindas, expostas numa janela

E negadas por ela a mim e a meu primo Humberto, assim:

“Dá dói, meu filho...”.

O vasto mangueiral das margens do brejo ainda lá

O brejo nem tanto.

As carambolas do quintal de tia Miluxa

Muitas vendidas, poucas doadas.

As uvas verdes, azedinhas e pequenas do quintal dos nossos vizinhos Dalton Barreira e Laureni Lustosa.

Os tamarindos — encheste a boca d’água? — da porta de João Bispo,

Na Florida (e o tibungo proibido nas suas manilhas de água efervescente).

Uma maçã na casa de dona Socorro Guerra surpreendeu o nego Zé

“Como é linda. Onde tem”?

E Dondon lhe enganou, dizendo que havia um pé ali pertinho

Nas roças do Planalto.

O pé de ingá na janela do quarto de minha irmã Ita

Doce como os ingás do riacho do Sossego, em Boqueirão

Mas que meu pai mandou cortar juntamente com as limas do quintal

Porque precisava aumentar a já enorme casa

Mas o pé de condessa ele perdoou

(E eram tantas que substituíram o almoço em um dia que alguns jogadores do time de futebol de Monte Alegre ficaram sob minha responsabilidade).

Os cajus e cajuís fartos, sem dono, na chapada de Gilbués,

Cacimba de Leite adentro

E os altíssimos cocos da praia (chamados Cocos da Bahia)

Em quase todos terreiros.

O tal taturubá que Porrim enche de elogio

(E que, à moda de Zeca Pagodinho,

“Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”).

Acerolas não havia em lugar nenhum, hoje abundam.

A confusão na aula de Ciências da professora Zenaide Barreira Seraine

No Ginásio Divina Pastora (GDP):

— Batata não é fruta, é um tubérculo. Mandioca não é fruta, é uma raiz— ensinava.

E eu, confuso com aquela explicação, venci a timidez e perguntei:

— Professora, e banana é fruta?

Uma sonora e generalizada gaitada da turma e novo apelido: Pedro Banana.

O almoço à base de manga na casa de seu Jaime Figueiredo,

(Que motivou Adão de Daniel a apelidar seu primo de Jânio Fiapo)

Cansado de tanta manga, Adão mudou para o Loiola Hotel

De propriedade de Edson Loiola (“Senhorzinho”) e Faraíldes

Lá também a fruta dominava o quintal

(Mas na condição de hóspede com pensão completa

Adão desfrutava de fígado no quebra-jejum, cozidão no almoço e na janta).

Ainda lá, as ciriguelas “de vez”, verdes e maduras no vasto quintal

Abundantes, disponíveis na companhia do meu amigo João Mendes.

O solitário pé de bacupari perto do riacho do Sucruiú

Do lado, a nativa melancia-da-praia, o bruto cagão,

O puçá, a muta, o murici e o grão-de-galo.

O frondoso e saudoso umbuzeiro do quintal de dona Alaíde Oliveira.

As ciriguelas amarelas e vermelhas do quintal de seu Dirceu Lustosa

(Que seu filho Dirceuzim Panelão transformava em moeda

Para pagar as partidas de sinuca do nosso bar).

As saudosas ciriguelas da área interna do Bar Te Contei

De meu padrinho Wilton Pacheco

Que conquistaram Pedro Duailibe para os primeiros goles

Sua mãe, dona Cicinha,

Irrompeu misteriosamente àquela hora da noite no bar

E o flagrou de caneco na mão:

— O que é isso, Pedro? Você está bebendo?

E ele, gaguejando, respondeu:

— Né, né, né nada não, mamãe! É, é, é só romontil com ciriguel.

O mudubim cru, trazido das Cacimbas pelo velho Domingos Gororoba.

As laranjas vendidas por Julio Constantino, ali na Rua de Baixo,

(Hoje Anísio de Abreu) na porta de sua casa pintada de verde)

A novidade da maquininha de descascar

Nos atraía mais que a própria laranja.

O mistério do pé de manga no quintal de Maria de Adonias, na Caciana

Subia-se nele, mas pra descer

Somente com as coordenadas passadas por ela.

O cajá-manga do quintal de Ribamar Figueiredo

Que seu filho e meu amigo João Balão

Presenteava a Adiva e Amanda.

O heróico canapu que eu, recém-chegado da primeira viagem a Brasília,

Quase cortava na enxada e fingi desconhecer:

— Que fruta é essa? — perguntei a meu primo Humberto Tupizim, companheiro de riosca.

— Primo, num é possível! Você passou um mês em Brasília e já esqueceu o nome dessa fruta? — estranhou.

— Esqueci mesmo, primo.

— Moço, pois lembra aí de cana...

— Ah, já sei... É napucana! Outro apelido: Pedro Canapu.

A manga verde que Dondon roeu num intervalo de aula do GDP

(Roeu e jogou no meio do campo de futebol, os dentes já desbotados)

Porque Adão de Daniel, nosso colega de sala

Disse que leu, escrita na casca da fruta,

Uma declaração de amor de Dondon inspirada em uma de nossas colegas

Não por acaso a mais bonita da turma, senão de todo o colégio.

Expulso da sala pelo coletor estadual e professor Jeconias

Ademazim de Bianor achou foi bom

E danou a comer manga no fundo do GDP

Pela janela, na volta, exibia as mais vistosas para os colegas.

Adalberto Badoque pediu-lhe uma manga-espada e Ademazim se vingou:

— Come aula, seu besta!

Ainda no GDP, o dindin de buriti e os beijus vendidos na hora do recreio

Por Bebé de Romana, vizinha do colégio

(Quando ainda não havia a Lanchonete Buriti, do seu irmão Dimazim).

Por cima do muro, com uma mão Bebé recebia o dinheiro

Com a outra entregava o lanche.

O carrinho de mão carregado de banana

Que meu pai nos mandava vender rua acima

Na porta de seu Cicim Carvalho

Meu mano Elizeu tentou vender dessa forma:

— Quer comprar banana não, seu Cicim?

— Você já disse que não, então é não — sacaneou seu Cicim.

O que houve com aqueles maracujás do tamanho de uma melancia?

Salada melhor não havia.

Mas seu parente próximo, o maracujá do mato, resiste

E dele se faz uma festa de sabor inigualável com o doce e o suco.

 

(VI)

 

Em Brasília, os primeiros abacates que comi na vida

Na casa de nossos vizinhos dona Sinai e seu Osvaldo

(que nós chamávamos de “Capitão”)

Comi tantos, com e sem açúcar, raspados na colher

Com leite, quando eu podia beber leite à vontade

E mesmo assim não escapei de uma caminhadeira.


 

2 comentários:

  1. Eita " causos" bons!deu até saudade de muitas coisa. Obs: o pé de Taturuba até hj existe.kkkk

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  2. É ôitcho, dotô ! Você nunca se lembra da queda do jipe na rua nova, em Monte Alegre! Valeu, meu lateral!

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